"Não me sonhe, por favor. Pessoas que acham que podem
me amar me ofendem. É sempre muito pouco o que elas podem e é sempre
muito diferente do que deveria ser amor o que elas oferecem.
Eu custo a suportar a banalidade do meu ser. Eu
custo a aceitar uma relação como a que qualquer um poderia ter. Eu seria
mais feliz se eu não me achasse melhor do que a minha vizinha. Mas eu
sou infinitamente melhor que ela.
Eu e minhas crises de ansiedade somos seres solitários, arrogantes e
multiplicados por megalomanias. São mil vezes cem anos de análise e
nada. Eu continuo me achando melhor que o amor igual e idiota que se
oferece por ai. Melhor do que os casais e seus dilemas de festas de
finais de ano e seus sonhos de vestidos brancos e seus cachorros e
sacadas de predinhos neoclássicos e planos médicos familiares. Chato,
chato, chato. É sempre nojento quando aparece alguém que quer
tentar me amar. Sempre daquele jeito burocraticamente aos poucos e
equilibrado e respeitado pela vida social e empresarial e natural e
dentro da rotina dos humanos normais do planeta que precisam ir aos
poucos porque a vida em sociedade empresarial e natural e tudo isso.
E então eu tenho prazer de tornar a vida de todo mundo que se aproxima
de mim, achando que pode me amar igual meu vizinho ama a minha vizinha,
um inferno. É que, por completa infelicidade, eu sempre acho a minha
grama infinitamente mais verde. O certo, se é que existe o certo, era eu gostar
de assistir ao ato da conquista sentada confortavelmente em uma soberba
cadeira de rainha. Homens adoram mulheres que se permitem galantear e
sorrir entregues para seus lampejos de semi genialidade. O problema é
que eu quase sempre sou muito mais engraçada e rápida e semi genial que
eles. E estou tão perto de virar um homem que tenho preferido a minha
masturbação a ter problemas para conviver com outro ser humano que, por
experiência própria, só vai encher a porra do meu saco.
Não sei o nome de milhares de capitais de
milhares de estados. A minha vida inteira tirei 6 pra passar de ano.
Leio pouco. Tenho fobia de sair de São Paulo. Sou meio flácida e
corcunda. Ainda assim, quando um bom moço me oferece amor, me sinto
ofendida. Porque é pouco e porque se parece com tudo a minha volta e
porque, definitivamente, não tenho estômago pra ser minha vizinha. Minha vizinha, que é absurdamente igual a todo
mundo, é casada com um homem que poderia se passar por qualquer ser
humano da terra. Eles vivem uma vida muito parecida com todas as outras.
Uma parede me separa dessa realidade insuportável e eu os odeio por
isso.
Enquanto isso, gosto bastante de rapazes que,
numa festa, conversam de costas pra mim. Pessoas que pouco se importam
com a minha existência me libertam de ser especial. Ou, melhor, de não
ser esse pequeno e medíocre “especial” que é o máximo de especial que as
pessoas podem sentir e dar e ter. Resumindo: me libertam de não ser
especial. Se não me percebem não preciso entrar em contato
com a dor suprema que é ser percebida de forma tediosa ou menor ou
superficial ou igual todos se percebem e se têm e, por fim e
rapidamente, não se suportam mais. Sou imatura, egocêntrica e debilmente iludida
por uma auto-estima analgésica de efeito rebote. E dane-se. Um dia o meu
amor verdadeiro chegará e será diferente de tudo isso e nós vamos
chorar de emoção por ter valido a pena não sangrar até a morte nos
insistentes e rotineiros momentos de angústia e nada e vazio e solidão e
inconformismo."
Nenhum comentário:
Postar um comentário